Guia do paciente

Guia do paciente

Guia do paciente

1. O que o paciente deve esperar da primeira consulta com o psiquiatra?

Paciente, uma consulta psiquiátrica não é muito diferente de uma consulta clínica. Você deve entrar no consultório à vontade, agir naturalmente, sem se preocupar como deve ou não se portar. Procure ser verdadeiro, falar de suas angústias e preocupações, das dificuldades que o ambiente lhe impõe. Lembre-se que o maior beneficiário do tratamento será você e que minimizar ou esconder seu problema dificultará mais o trabalho do médico e pode comprometer a eficácia do seu tratamento. Procure se livrar dos preconceitos, tabús ou ficar preocupado com o que o psiquiatra vai pensar a seu respeito. Ele está habituado a escutar sobre a vida das pessoas e o que você tem a dizer provavelmente não será nada muito longe do que ele já está acostumado a ouvir. Ele não está ali para lhe julgar, mas para lhe ajudar a superar suas dificuldades.

Se preferir entrar só no consultório, peça para que seu acompanhante aguarde na sala de espera. Ele poderá entrar ao final da consulta se este for o seu desejo ou se o psiquiatra achar necessário. Tudo será conversado com você antes e seu sigilo será respeitado.

2. Os remédios podem causar dependência?

Os remédios de traja preta, conhecidos como calmantes ou tranqüilizantes (vendidos com a receita azul tipo B), e os psicoestimulantes, como da classe das anfetaminas (vendidos com a receita amarela tipo A) são os que podem causar dependência a longo prazo. Em geral o uso por menos de 6 meses dessas substâncias ou o uso esporádico (p.ex. dias alternados ou como SOS) previne a dependência.

Entretanto, a maioria dos medicamentos psiquiátricos hoje em dia não causa qualquer dependência. Eles são vendidos com receita controlada branca (o que faz muitos confundirem com o risco de dependência). O governo brasileiro estipulou que esses medicamentos teriam sua venda controlada por serem substâncias que agem no SNC (Sistema nervoso central) e que podem atuar sobre o comportamento das pessoas, não sendo recomendada a automedicação (aliás, isto deveria valer para todos os tipos de medicamentos).

 

3. Para que servem os medicamentos psiquiátricos?

Os medicamentos psiquiátricos são divididos em classes de acordo com suas propriedades farmacológicas (mecanismo de ação e indicação terapêutica), porém esta divisão é muitas vezes imprecisa e causa para o leigo muita confusão.

A classe dos antidepressivos é um bom exemplo. Ela reúne dezenas de substâncias que têm indicação na depressão, porém com diferentes mecanismos de ação e efeitos colaterais. Esses medicamentos também possuem outras indicações que nada tem a ver com a depressão e se diferenciam entre si quanto às indicações em outras doenças, como ansiedade generalizada, fobia social, TOC (Transtorno obsessivo- compulsivo), pânico e até mesmo ejaculação precoce e dor crônica. Indicações tão diferentes podem estar presentes em um mesmo medicamento, mas nem sempre constam das bulas dos produtos.

O mesmo ocorre com a classe dos estabilizadores de humor e dos antipsicóticos. Classicamente indicados para o tratamento do transtorno bipolar e da esquizofrenia respectivamente, hoje eles têm eficácia comprovada em outras doenças, como depressão, transtornos de personalidade, transtornos compulsivos, transtornos de conduta, dependência química, etc.

Como é possível perceber, as medicações psiquiátricas não são em sua maioria específicas para um determinado transtorno mental. O psiquiatra utiliza o efeito delas em sintomas ou síndromes psiquiátricas presentes no paciente independentemente do diagnóstico principal. Isto visa trazer um alívio mais rápido dos sintomas, melhorar a resposta global do paciente ao tratamento e facilitar sua recuperação.

4. Quais cuidados devo ter ao ler a bula dos medicamentos psiquiátricos?

As bulas dos medicamentos psiquiátricos causam mais susto em alguém que já está previamente preocupado com o efeito deste tipo de medicamento, portanto, deve-se ter muito cuidado ao ler a bula destas substâncias. O ideal é que, ao ler a bula, você possa tirar todas as suas dúvidas com seu psiquiatra antes de tomar o medicamento e ficar sugestionado com os possíveis efeitos colaterais que ele poderia ou não causar.

Na bula do remédio constam todos os efeitos colaterais que ocorreram com o uso da substância em todas as fases de pesquisa até a sua comercialização. Alguns desses efeitos são raros e pouco significativos na prática clínica, ou seja, a parcela de pacientes que os apresenta é tão insignificante que o próprio psiquiatra não se preocupa com ele ou deixa de prescrever a medicação por este motivo. É importante, portanto, procurar saber a opinião do psiquiatra a este respeito, pois é ele que detém a experiência prática com a substância.

Uma evidência de que essas preocupações são maiores quando se trata de medicamento psiquiátrico, pela predisposição (preconceito)das pessoas a achar de antemão que são substâncias perigosas, é o fato de que poucos se preocupam com os efeitos colaterais da dipirona (Novalgina) ou do paracetamol (Tylenol). O primeiro pode causar aplasia de medula (falência da medula óssea) e o segundo insuficiência hepática fulminante. Nem por isso deixam de ser usados e nem devem ser, pois são complicações raras diante dos benefícios clínicos.

5. Os medicamentos psiquiátricos são fortes?

Este conceito de forte ou fraco é um conceito leigo, não existem medicamentos classificados como fortes ou fracos em medicina. Existem medicamentos que são mais bem tolerados, tem poucos efeitos colaterais e outros cuja tolerabilidade é mais difícil. Já comentei também que esta tolerância é individual e que o início em doses mais baixas (quando possível) pode atenuar este problema. Todavia, existem tratamentos que são mais indicados para cada caso. De nada adianta utilizar medicamentos em doses baixas (sub-terapêuticas) ou escolher um medicamento por ser mais bem tolerado em detrimento daquele que seria o mais indicado.

A medicação é realmente muito importante, mas se ela for um meio do paciente melhorar dos sintomas a ponto de modificar seus hábitos, posturas, atitudes, relacionamentos, projetos perante a sua vida, melhorando-a gradativamente. Tomar o medicamento e esperar que a solução para todos os seus problemas caia do céu é utópico.

6. Meu psiquiatra passou dois ou três remédios, isto significa que meu caso é grave?

Na psiquiatria a prescrição de mais de um medicamento é mais regra do que exceção e isto não tem nada a ver com gravidade da doença. Como já comentei, as medicações psiquiátricas aliviam sintomas ou síndromes que podem estar presentes em diferentes transtornos. Uma única doença pode ter 2 ou mais síndromes.

Na depressão, p.ex., podem ocorrer, além da síndrome depressiva (tristeza, desânimo, choro), uma síndrome ansiosa (ansiedade, taquicardia, sudorese) e uma síndrome disfórica (irritabilidade, ataques de raiva, agitação). É possível que este paciente necessite, além de um antidepressivo, de um ansiolítico e/ou um estabilizador de humor. Por outro lado, pode ser que o melhor tratamento seja um medicamento que reúna essas três propriedades (antidepressiva, ansiolítica e estabilizadora de humor). A melhor escolha vai depender de características individuais do caso.

Outra situação comum na psiquiatria é o paciente necessitar de outra medicação no decorrer do acompanhamento para compor seu tratamento, seja porque o efeito inicial do primeiro medicamento não aliviou alguns sintomas-chaves para seu bem estar ou porque necessita de um segundo medicamento para potencializar o efeito terapêutico do primeiro.

Uma terceira situação é a necessidade de um segundo medicamento para atenuar ou combater efeitos colaterais do primeiro. Isso tem sido menos freqüente hoje em dia, pois as substâncias mais modernas são mais toleradas e não requerem outros medicamentos para aliviar seus efeitos colaterais.

Um outro exemplo da necessidade de mais de um medicamento são as comorbidades. Elas estão presentes em mais da metade dos pacientes. É comum haver mais de um transtorno psiquiátrico associado, p.ex., um transtorno de humor acompanhado de um TDAH(Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade), uma esquizofrenia acompanhada de um transtorno do pânico, etc. Neste caso é necessário tratar todos os transtornos, caso contrário a recuperação do paciente não será completa.

7. Até quando precisarei tomar os medicamentos? Posso pará-los quando quiser? Como posso me recuperar a ponto de não necessitar mais deles?

Uma medicação psiquiátrica demora em média de 2 a 4 semanas para iniciar seu efeito e uma resposta adequada ao tratamento às vezes pode levar de 3 a 6 meses para se consolidar.

É desejável que com o tempo de tratamento o paciente possa fazer progressos também em sua vida pessoal, sabendo lidar melhor com os fatores psicossociais que contribuíram para o seu adoecimento no passado ou que, de alguma forma, o colocam em risco de uma recaída no futuro.

Este é um processo de crescimento e amadurecimento, que além de levar tempo, requer do paciente uma busca por maior autocrítica e reflexão sobre seu próprio estilo de vida. Sem esta mudança de paradigma, que deve partir do paciente, torna-se difícil interromper a medicação. Esta seria a recuperação de fato, que pode demorar alguns anos para se consolidar.

A mudança de como a pessoa se relaciona com seu meio, do quanto ela se deixa afetar pelos problemas, seu próprio estilo de vida e seu ambiente podem servir de estímulo para que seu cérebro se mantenha saudável e produza neurotransmissores e substâncias antioxidantes na quantidade necessária para a manutenção de seu bem estar. Mesmo assim é preciso considerar que existem transtornos mentais que são recorrentes e que nem sempre dependem de fatores externos. Existem pacientes que, mesmo com as mudanças de vida, necessitarão do medicamento como forma de proteção.

É importante ressaltar que a suspensão dos medicamentos deve sempre ser uma decisão do psiquiatra. Ele saberá o melhor momento de parar e como. Algumas recaídas estão mais associadas a como a medicação foi interrompida do que ao tempo de tratamento. Interrupções súbitas podem provocar um estado de hipersensibilidade no cérebro, que está acostumado a receber aquele estímulo diariamente, acarretando num desequilíbrio repentino dos neurotransmissores e levando a uma recaída mais rápida e mais grave.

Existem pacientes que necessitam usar a medicação por um período indeterminado ou pelo resto da vida. Isto ocorre quando a pessoa tem um transtorno com muitas recaídas, em que a medicação é um importante fator de proteção, ou quando já tentou parar os medicamentos, mas se chegou à conclusão que o uso contínuo deles é fundamental para o seu bem estar. É difícil para o psiquiatra predizer qual o paciente necessitará do tratamento para sempre, muitas vezes a medida disso vem com o tempo de acompanhamento.

8. O psiquiatra vai me pedir exames? Existem exames que podem diagnosticar o meu problema?

Os transtornos psiquiátricos em geral não aparecem nos exames. Porém, para o diagnóstico diferencial, i.é., para descartar doenças orgânicas que possam causar sintomas psiquiátricos, torna-se importante a solicitação de alguns exames complementares. Qual exame solicitar dependerá de cada caso.

Um exemplo: sabe-se que doenças físicas, como hipotireoidismo, carências vitamínicas (particularmente do complexo B), doenças neurodegenerativas, entre outras, podem causar depressão e demência. Portanto, um exame de sangue, um exame de imagem e uma testagem neuropsicológica podem ser úteis para esclarecer se a causa da depressão está relacionada com alguma outra doença física ou se ela é primária.

9. Quais os tratamentos complementares que posso fazer e sua importância para minha recuperação?

A psicoterapia individual é o tratamento complementar à medicação mais indicado. Estudos têm demonstrado que pacientes que fazem terapia têm melhor resposta ao tratamento do que aqueles que só tomam remédios e isto vale para todos os transtornos mentais.

A psicoterapia mais estudada nos transtornos mentais é a cognitivo-comportamental, mas isto não significa que outras técnicas, como a psicanálise, não sejam eficazes.

O mais importante é que paciente e terapeuta consigam estabelecer uma boa relação, em que a empatia e a confiança são ingredientes fundamentais para a eficácia do tratamento. As sessões devem ser semanais e com duração mínima de 45 a 60 minutos, tempo considerado suficiente para que o paciente possa quebrar uma resistência inicial e falar abertamente daquilo que o angustia.

A continuidade do tratamento ao longo de alguns meses é necessária para que a relação terapêutica possa se estabelecer e a terapia acontecer de fato. Muitos pacientes abandonam a terapia antes disso, o que pode ser considerada resistência ou falta de empatia com o terapeuta. Isto não deve desanimá-lo a buscar outro profissional.

Atividades físicas são fundamentais para a recuperação dos transtornos mentais. Além de ajudar o paciente a manter uma boa forma física, evitando o ganho de peso em função do sedentarismo e dos medicamentos psiquiátricos, previne doenças metabólicas como diabetes e obesidade, mais comuns em pacientes com algum tipo de transtorno mental. A prática regular de atividades físicas, no mínimo 4 dias por semana, estimula a produção de endorfinas e ajuda a melhorar a vontade e o humor.

10. Existem fitoterápicos que posso utilizar?

Os fitoterápicos podem ajudar, porém não substituem os medicamentos psiquiátricos. Vitamina E, beta-caroteno, vitamina C, vitamina B1 e B12, ômega 3, Zinco e selênio já tiveram suas propriedades antioxidantes e nutricionais comprovadas nos transtornos psiquiátricos e podem, a critério do médico, ser úteis no tratamento adjuvante.

11. Qual o efeito do álcool, do cigarro e de outras drogas sobre o meu tratamento?

O álcool e o cigarro induzem o metabolismo dos medicamentos, reduzindo a sua disponibilidade no organismo e comprometendo a eficácia do tratamento a longo prazo, além dos riscos que eles naturalmente causam à saúde.

Drogas ilícitas como maconha, cocaína, LSD e ecstasy estimulam neurotransmissores que estão sendo regulados pelos medicamentos, opondo-se aos efeitos farmacológicos deles e agravando o quadro. É comum que pacientes dependentes de drogas desenvolvam quadros mais graves e resistentes aos medicamentos.

12. O tratamento prejudica outros tratamentos médicos que eu esteja fazendo?

É importante falar na primeira consulta que outros problemas de saúde o acometem e que medicamentos usa, pois existem interações medicamentosas entre remédios psiquiátricos e os demais que precisam ser do conhecimento do médico. Isto serve também para os contraceptivos orais e injetáveis.

Existem hoje em dia medicamentos bastante seguros sob o aspecto das interações com outros fármacos, de forma que raramente é necessária alguma mudança em outros tratamentos que o paciente já faça.

O que ocorre muitas vezes é que o tratamento psiquiátrico ajuda na recuperação de outras condições médicas, principalmente no caso de doenças psicossomáticas, como enxaqueca, fibromialgia, síndrome do cólon irritável, bruxismo, dentre outras.

No caso de doenças crônicas, como hipertensão, diabetes, doença coronariana, doenças autoimunes e câncer está comprovado que negligenciar transtornos psiquiátricos aumenta a gravidade e as complicações, enquanto que o tratamento pode melhorar a condição clínica.

 

13. Posso engravidar ou corro algum risco? Se engravidar, devo parar os medicamentos? E na amamentação?

Alguns medicamentos psiquiátricos não podem ser utilizados na gravidez. O risco maior é no primeiro trimestre, pela formação do tubo neural (sistema nervoso central primitivo do feto), e no terceiro trimestre, pelo risco de complicações no parto ou depressão respiratória e outras complicações para o bebê. Entretanto, hoje existem medicações seguras para todas as fases da gestação, de forma que não se justifica a falta de tratamento por causa da gravidez. Uma gestante com transtorno mental coloca em risco a sua saúde e a de seu bebê pelos próprios sintomas e complicações que corre em não tratando de sua condição, além do que compromete seu estado de saúde para a amamentação e o puerpério.

Estudos vêm demonstrando que depressão materna durante a gravidez é fator de risco para vários transtornos mentais na vida adulta ou mesmo na adolescência. Para amamentação vale a mesma coisa. Da mesma maneira que existem medicamentos em que a amamentação não é aconselhável, existem opções seguras em que a mãe pode amamentar seu filho normalmente. A depressão e a psicose pós-parto, p.ex., são condições graves que devem ser tratadas prontamente e não se deve aguardar o término da amamentação para o tratamento. A amamentação tem sido associada a uma melhor saúde mental na infância e na vida adulta, mas a mãe precisa estar bem psiquicamente para amamentar seu filho.

 

Referências:

PALMEIRA L. – Guia do paciente – in. Leonardopalmeira Internet, revisto em 2015.